Ontem

A insónia persegue-me. Mas já percebi que nos persegue a todas. Não sou a única que em dias de folga procura saber quais os resultados da empresa x ou y. Este emprego entranha-se na pele e respira connosco. É bom ter tanta mulher a passar pelo mesmo. É bom ser igual e não diferente. Ontem, ainda em recuperação de mais uma recaída daquelas que me consomem a vida, arrastei-me a custo para o meu local de trabalho, com a cabeça pesada e as pernas doridas. "Parece que já trabalhei um dia inteiro", disse quando cheguei. À hora de almoço [o meu almoço de doente sozinha numa sala vazia] descobri que as meninas bonitas (ou jeitosas!) fazem suspirar homens dez anos mais velhos em pleno Chiado, depois de um observar demorado ao corpo que se movia, descobri que há senhoras de 65 anos que se juntam para ter aulas de dança criativa (na Rua da Emenda, diziam) e que os CD´s estão cada vez mais caros. Por esta altura a vontade de trabalhar era quase nula e o sol lá fora chamava-me a todo o minuto. Saudades do Verão. E depois ela estava triste e cansada. E nota-se. E ninguém a ajuda. Calei-lhe o vício com uma coisa doce, mas não resultou. Ela cedeu. E já depois de tudo isto, de ter passado o dia numa indefinação editorial, resolvi que o melhor remédio era rir e brincar. Houve ainda alguém que comprou flores para animar uma redacção encafuada em si mesma. A hora de saída já foi tardia para o compromisso, mas por esta altura o meu cansaço da manhã já havia sido substituído por uma força enorme. Ia ter contigo. E contigo estou sempre bem. As preocupações absurdas desaparecem. Um beberete de gala e um jantar numa rua que só traz boas recordações (mesmo as que são más) depois, dei por mim a presenciar o terceiro momento da história de uma banda que já faz parte da minha. O dia acabou numa insónia a ouvir o respirar acelerado de dois labradores.